Interessada na metamorfose entre natureza, alimento e vida humana, Diambe cria obras que se assemelham a tubérculos, raízes, leguminosas e frutas. Tais seres, encapsulados em bronze pintado, retratados em tons terrosos sobre tela ou delineados em desenhos errantes, sugerem contornos especulativos de vida que conservam marcas de uma narrativa que flerta com a tropicalidade exuberante sem abrir mão de sua perenidade. Curiosamente, a sobrevivência das formas e da história é tema de discussão nos percalços poéticos da artista, que ao longo de suas investigações, já realizou intervenções em objetos que carregam a memória de um grupo familiar, de um território ou mesmo de uma nação, como elementos domésticos, fotografias de família e monumentos históricos. Hoje, estabelece uma escuta atenta aos relatos que surgem, por vezes, debaixo da terra e, em outras, acima de nossas cabeças.
Arco (enquanto Lúculo janta com Lúculo) (2023), escultura de bronze pintado em formato espelhado, é fruto do empilhamento de raízes, frutas e galhos, formando um ser híbrido que se equilibra sobre a sua própria tensão. Tais criaturas parecem ter desenvolvido modos de habitar o mundo resultantes do agrupamento das singularidades que lhe são próprias, produzindo a manutenção de sua continuidade no tempo com a formação de um todo maior, constituído de partes autônomas. O título faz menção a uma anedota em que o importante político Lúcio Licínio Lúculo (118 a.C.–56 a.C.), ao se deparar com um jantar modesto servido por seus súditos em decorrência da ausência de convidados, exclama: “Mas como! Não sabias que hoje Lúculo janta com Lúculo?!”. O protesto é prontamente atendido com um banquete. A justaposição entre nome e obra parece estabelecer uma reivindicação da artista, que clama para as novas formas de vida que concebe nada menos do que a abundância, existindo para além do visitante que as observa.
Madeira que cupim não rói (2023), outro ser escultórico que se apresenta no programa Contratempo, integra a série de peças em bronze da artista, mas carrega consigo uma capa vermelha e preta em cetim e veludo — uma relação direta com Exu, divindade dos cultos afro-brasileiros. Abre caminhos, senhor dos princípios e das encruzilhadas, da transformação, por vezes da angústia, e da comunicação, é o orixá do movimento inicial. Èșù, palavra que em iorubá, significa “esfera” — o infinito; um antigo ditado, também em iorubá, diz que “Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que só jogou hoje”. O tempo para ele não é linear ou circular, mas desafia uma compreensão histórica encadeada em uma única direção. Exu nos ensina que a batalha que travamos hoje não começou agora, mas nossas ações reverberam as forças daqueles que vieram anteriormente.
Diante da incerteza perante paisagens transitórias e movediças, a obra de Diambe, Três luas numa noite (2023), apresenta um horizonte instável, entrecortado por caminhos e buracos que atravessam para além do enquadramento da tela. Em contraposição à ordem das coisas que os humanos instituíram para as suas vidas e as de outrem, o amanhã (que talvez seja o ontem) de Diambe é intercambiante, pois é essa a habilidade desenvolvida em prol de sua permanência no mundo; e é desejante, porque é uma delícia viver.