Quando um evento de arte global da importância da Bienal de Sharjah escolhe cinco curadoras (Natasha Ginwala, Amal Khalaf, Zeynep Öz, Alia Swastika e Megan Tamati-Quennell) com um longo histórico de defesa do Sul Global, pergunta-se de imediato o que será permitido ao subalterno dizer, parafraseando o livro seminal de Gayatri Spivak de 2010 sobre o tema. A 16ª Bienal de Sharjah, intitulada “to carry”, enfrenta essas demandas por meio de escolhas díspares, com algumas práticas notáveis a destacarem-se num mar de discursos repetitivos. Parte desse imbróglio é proposital, um resultado inevitável da decisão de ter tantos curadores, cada qual com ideias distintas sobre o que uma bienal deveria abordar. Não obstante, todos concordaram quanto aos meios de interesse: a mostra apresentou uma quantidade avassaladora de práticas têxteis, demonstrou um pendor para instalações de grande escala e projeções de vídeo, e evitou quase por completo a pintura.
Dezessete locais foram escolhidos entre as paisagens deslumbrantes de Sharjah, incluindo uma cidade-fantasma engolida pela areia, um mercado de vegetais tradicional e um edifício anteriormente usado para armazenar gelo. Contudo, a ausência de um projeto expográfico coeso torna fácil a sensação de desorientação, mesmo dentro de um único espaço, onde apresentações monográficas e coletivas frequentemente começam e terminam sem qualquer indicação clara. Trabalhar em harmonia com locais que possuem tanto peso histórico pode ser um desafio para os artistas. A tarefa é admiravelmente assumida por Adelita Husni-Bey em sua instalação
Like a Flood, 2025, na qual grandes tubulações servem como abrigos para assistir a um vídeo de quarenta e cinco minutos que lança luz sobre a destruição dos antigos sistemas hídricos da Líbia durante a colonização italiana (1911–43). Ao revelar os vestígios de uma história colonial investigada através de fotografia de arquivo, a obra torna visível o que deveria permanecer nas sombras: como a infraestrutura hídrica foi empregada para controlar e extrair elementos naturais — um exemplo de violência biopolítica e apagamento realizado em nome da modernização.
De modo mais amplo, porém, essa configuração resultou num argumento caótico, por vezes incoerente. Por exemplo, Khawagaka, 2012–25, de Rully Shabara, uma simulação de museu sobre uma civilização fictícia, surgiu no meio de um pavilhão que apresentava várias obras selecionadas para honrar o conhecimento ancestral, levando muitos espectadores a confundir seus artefatos falsos com verdadeiros. Tais equívocos são sintoma de uma narrativa curatorial que prioriza a celebração da perpetuação de práticas ancestrais em detrimento do exame de como essas práticas se misturam e se fundem em resposta a um passado colonial cujos vestígios permeiam o presente.
A questão principal que a bienal coloca, nesse contexto, é: de que modo a obra de um artista transcende seu arcabouço cultural e se conecta com a alteridade, permitindo que o espectador encontre um caminho através da diferença? Algumas proposições dão-nos uma pista. A abordagem tecno-tropical de Fernando Palma Rodríguez sobre a cosmovisão indígena Nahua, Cincoatl, 2024, consiste numa escultura robótica em que uma serpente feita de materiais industriais (motores, plástico, etc.) está conectada por fios elétricos emaranhados a uma aranha moldada em terra, propondo uma dualidade entre forma e material para discutir a sobrevivência da cosmologia mesoamericana. Em -+, 2025, de Luana Vitra, o material torna-se um diagrama vivo numa instalação composta por derivados de ferro de Minas Gerais, principal estado minerador do Brasil e terra natal da artista. Vitra dobra hematitas, pedras de ferro e pigmentos de óxido de ferro azul usando ímanes embutidos, revelando o que ela chama de “desejo do material”: uma forma de criação que respeita as polaridades intrínsecas do íman, em vez de reforçar sua sujeição a um propósito extrativista.
Apesar de todas as deficiências da bienal, é revigorante testemunhar um evento com um compromisso histórico tão intransigente com o Sul Global. Mas essa perspectiva globalizada simplesmente atende a uma expectativa de audiência globalizada, em vez de desafiá-la? A performance de John Clang, Reading by an Artist, 2023–, apresenta uma boa estratégia: no meio da Praça da Caligrafia, o artista conectou-se com o público através de uma técnica de adivinhação do zi wei dou shu, uma filosofia metafísica que remonta à China imperial. Oferecendo aos espectadores não um olhar sobre o outro, mas sobre si mesmos e seus próprios futuros potenciais, a obra convida-nos a encarar nossos próprios desejos e a atentar para práticas oblíquas e enigmáticas que podem oferecer uma visão valiosa.
Lucas Albuquerque.